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Capital cultural e capital social

 

Capital cultural

Todos que frequentaram a escola devem se lembrar de termos ofensivos sendo empregados por estudantes – ou mesmo pelos(as) próprios(as) professores(as) – contra alunas e alunos que desconhecem algum conteúdo considerado muito óbvio, muito elementar. Um erro gramatical, um equívoco na hora de resolver uma equação matemática no quadro, uma pergunta que não se sabe responder, todas essas são situações propícias para fazer surgir esse tipo de violência simbólica na forma de agressões verbais – que, não raro, evoluem para agressões físicas. Mas, qual será o motivo de alguns(as) estudantes terem mais facilidade do que outros(as) para aprender os conteúdos escolares? 

Será essa uma questão puramente psicológica, como se aprender dependesse apenas da capacidade cerebral de cada pessoa? O sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002) acreditava que não: para ele, a chave para entender essa diferença estaria na diversidade de adequação entre os conhecimentos e os valores que o(a) estudante traz de fora da escola – de sua casa, da rua, de seus(suas) amigos(as), das redes sociais – com aqueles conhecimentos e valores que são transmitidos pelos(as) professores(as) e pelos livros e que, ao final, servem para avaliar os(as) alunos(as).

Estamos tão acostumados(as) a julgar as pessoas com base em suas notas que desconsideramos a existência de outras formas de conhecimento não avaliadas na escola: uma criança normalmente não aprende a lavar a louça, a soltar pipa, a comer com garfo e faca, a nadar, a tocar violão e a subir numa goiabeira dentro da sala de aula. Os pais, os(as) amigos do bairro, o(a) pastor(a) da igreja ou o(a) treinador(a) do clube costumam ser “professores(as)” para as diversas formas de conhecimento extraescolares. Embora esses dois âmbitos de aprendizado – o de dentro e o de fora da escola – aparentem não se relacionar um com o outro, Bourdieu (1998) defendia justamente o contrário: para se entender o “sucesso” ou o “fracasso” de um(a) estudante, é preciso ter em mente essa relação.

É claro que a explicação de Bourdieu não pretende descartar os exemplos de “batalhadores(as)” que comumente aparecem na televisão, pessoas que “começaram de baixo” e que, “com muito trabalho e dedicação”, conseguiram “subir na vida”. O sociólogo tem uma abordagem teórica não determinista e, por isso, não adota a máxima de que o indivíduo nascido rico morrerá rico e o nascido pobre morrerá pobre. O que o autor defende é que, em se tratando de garantir uma posição de prestígio econômico e social, dois indivíduos dotados de capitais culturais diferentes não estão em pé de igualdade tal como pretendem alguns(as) pensadores(as) neoliberais, cujas teorias sustentam que a ascensão social depende única e exclusivamente da vontade e do esforço individual – logo, do mérito – de cada um(a).

Podemos olhar ao nosso redor e perceber que muitos dos trabalhos melhor remunerados são reservados a pessoas que conseguem se expressar em um português “correto”, gramaticalmente falando; além disso, conhecimentos de literatura e música clássica podem agregar respeito e admiração a um(a) político(a) ou a um(a) professor(a) universitário(a) e, dessa forma, ajudá-los(as) a se manterem nas respectivas posições.

 

Capital social

Não é apenas na maneira como pensam e fazem as coisas que se alarga o abismo cultural, social e econômico entre marginalizados(as) e privilegiados(as). Bourdieu percebeu que estar “bem relacionado” – estar dentro de um círculo de pessoas influentes e respeitadas – faz diferença para o sucesso ou o fracasso na vida escolar ou profissional. Essa teia de relações humanas – que podem ir desde a aceleração do processo de asfaltamento de uma rua pelo contato com um(a) vereador(a) até a obtenção de um emprego por indicação de um(a) amigo(a) de infância –, Bourdieu chamou de “capital social”.

As duas formas de capital – social e cultural – estão intimamente relacionadas, uma exercendo influência sobre a outra. Não basta ser convidado para uma festa chique para manter os laços que formam o capital social pessoal de alguém, é preciso saber se portar, saber que roupa vestir, como e com quem conversar, como e quando dançar. Tampouco basta ter esse corpo de conhecimento para se chegar onde se quer na vida: é necessário conectar-se com as “pessoas certas” e viver experiências que transformam a maneira de pensar e de agir no mundo, a cultura.