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A reprodução do capital social
 

Em outro momento, você já foi apresentado(a) a dois conceitos muito importantes, elaborados pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu: capital cultural e capital social. Vale lembrar que eles não foram pensados simplesmente como conceitos teóricos úteis apenas a um grupo restrito de cientistas sociais, mas, sim, como uma tentativa de dar respostas a inquietações práticas concernentes a todos(as). Uma das mais importantes, entre elas, era saber o porquê de alunos e alunas provenientes de classes socioeconomicamente mais favorecidas apresentarem um desempenho escolar superior ao dos(as) estudantes advindos(as) das classes mais populares.

Essa problemática surgiu de um amplo uso de estatísticas de desempenho escolar feito por Bourdieu, em parceria com Jean-Claude Passeron. Com base nas análises realizadas, a explicação apresentada pelos dois teóricos era que os alunos e as alunas receberiam da família e do meio onde crescem uma herança que não seria nem genética nem financeira, mas sociocultural, na forma de um capital cultural que ora facilita, ora dificulta sua relação com os conhecimentos escolares.

Sentados em suas carteiras e devidamente uniformizados(as), todos(as) os(as) estudantes devem parecer iguais, à parte algumas variações de tamanho, fisionomia e cor da pele. Se o mesmo conteúdo é exposto pelo professor ou pela professora para todos(as) os(as) alunos(as) que estão sentados(as) diante de si, então por que alguns(as) aprendem “melhor” do que outros(as)? Não seria de se esperar que todos(as) aprendessem da mesma maneira?

Basta passar alguns minutos em uma sala de aula para perceber que não é isso o que acontece: enquanto vemos, de um lado, alguns(as) estudantes prestarem atenção àquilo que a professora ou o professor diz, de outro, alguns(as) dormem, outros(as) conversam, usam o celular ou simplesmente ficam com a cabeça no mundo da lua. Mesmo entre aqueles atentos(as), cada um(a) entenderá o assunto apresentado de maneira diferente.

Bourdieu e Passeron defendiam que a escola, ao tratar todos(as) os(as) alunos(as) como iguais e não reconhecer as suas diferenças culturais provenientes de contextos tão diversos, tenderia a favorecer os já privilegiados. Convém, todavia, indagar: o que isso quer dizer?

O fato de um(a) aluno(a) ter em sua casa uma ampla biblioteca e de, eventualmente, ver seus pais ocupados em alguma leitura - que serviu, por exemplo, como um incentivo para que ele(a) próprio(a) se aventurasse desde criança na literatura - e de outro(a) ter aprendido com seu pai a prever uma chuva a partir do canto de um passarinho não quer dizer que um saiba mais do que outro porque um sabe alguma coisa mais importante do que outra. As duas são, com efeito, formas de conhecimento. É, contudo, na relação com os conhecimentos que são privilegiados pela escola que essa hierarquia aparece e ganha força; afinal, a escola avalia e quantifica os(as) estudantes que, de acordo com seus critérios, “aprenderam mais ou menos”.

Aquele(a) que sabe de cor todas as capitais do mundo pode usar esse conhecimento em uma prova de Geografia, mas nem todas as formas de conhecimento trazidas de fora da escola serão, por assim dizer, muito aproveitáveis na escola - alguns(as), inclusive, poderão comprometer sua reputação como estudantes. Pense, por exemplo, no caso de um(a) estudante muito religioso(a) que se recusa a acreditar na teoria da evolução e que expõe sua revolta numa prova de Biologia.

Para se aprofundar no assunto, você pode consultar:

"A Escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura", de Pierre Bourdieu (1998).