Hoje estamos muito acostumados a aceitar a existência de algumas regras que podem resultar em punição caso não obedecidas. Mas o que aconteceria se não houvesse esse instrumento “autorizando”, implicitamente, a punir as contravenções? Será que seria uma guerra de todos contra todos? Ou será que existe um princípio inato que faz com que nos respeitemos mutuamente? É sempre muito complicado tentar supor como os homens e as mulheres de uma hipotética pré-história social – anterior ao surgimento de qualquer forma de organização política ou institucional – lidariam com a existência de outros seres humanos. De todo modo, diversos filósofos clássicos, particularmente aqueles que ficariam conhecidos como “contratualistas”, divagaram sobre o que chamaram de Estado de Natureza.
Entretanto, não havia consenso entre esses autores. Alguns concebiam uma guerra de todos contra todos. Outros defendiam que, inexistindo a propriedade privada, não haveria razão para ganância. O fato é que, à medida que os grupos sociais vão se tornando cada vez mais complexos, as normas de convivência vão, igualmente, surgindo como imposição e como exigência da vida em comum. Essas normas, por sua vez, vão sendo transmitidas pela tradição oral, de geração a geração, sob a ameaça das más interpretações e até da deformação do sentido. Por fim, as normas que se consolidam vão sendo positivadas pela expressão gráfica em documentos, constituindo-se de maneira mais perene, como conquistas humanas. Isso, no entanto, não quer dizer que as normas transmitidas pela tradição oral ou mesmo as objetivadas em códigos escritos sejam sempre em favor da melhor convivência social e tenham como norte o bem comum.
A história de nosso país é marcada por fatos que confirmam essa suspeita. Quatro séculos de escravidão – uma herança histórica nada pequena – contribuíram para a situação de desigualdade e exclusão de negros e de índios dos benefícios sociais e econômicos conquistados pela nação, o que gerou uma dívida da sociedade e do Poder Público com esses setores e edificou uma trajetória inconclusa da cidadania brasileira. O Brasil foi o país que mais importou negros escravizados e o último das Américas a abolir legalmente a escravidão.
As marcas deixadas pela arbitrariedade com que foram tratados os indígenas e, depois, de maneira mais orgânica e sistemática, os negros africanos, não podem ser desconsideradas ao pensarmos na formação do povo brasileiro. A própria legislação nacional já impôs impedimentos de acesso a direitos fundamentais e de direitos de cidadania a essa parcela considerável da população.
Na história da educação brasileira, já vigeram instrumentos legais que impediam o acesso de negros aos bancos escolares. Até o século XIX, negros, mesmo os libertos, deveriam solicitar ao Estado a chamada “dispensa dos defeitos de cor”, uma espécie de atestado por meio do qual se abdicava da negritude para ocupar cargos públicos, militares, civis ou eclesiásticos. O caso, talvez, mais emblemático tenha sido o do primeiro governador negro do Brasil, Eduardo Ribeiro, instado a declarar que, apesar de ter a “cor errada”, era civilizado, tinha assimilado os bons costumes da sociedade dos homens livres, pedindo dispensa da observação dos seus defeitos de origem.
Mesmo a abolição da escravidão, em 1888, não foi capaz de dar aos negros o reconhecimento da dignidade deles como pessoa humana. Ao contrário, foi se instilando no imaginário coletivo a licença para discriminar negros, como revelam as pretensamente ingênuas anedotas, as letras de músicas ou os ditados populares. Um ícone dessa licença pode ser observado na marchinha de carnaval revestida de ideológica inocência: “O teu cabelo não nega mulata, porque és mulata na cor, mas como a cor não pega, mulata, mulata eu quero o teu amor” (BABO; VALENÇA; VALENÇA, 1931). Parece não haver possibilidade de compreender a pobreza e a desigualdade no Brasil sem considerar o apartamento imposto aos negros. Se quisermos, de fato, entrar a fundo nessa compreensão, não há como deixar de reconhecer a metade negra de nosso rosto.
Igualmente, o país não foi generoso com as mulheres, estabelecendo uma ideologia sobre sua incapacidade para exercer papéis reservados apenas aos homens e naturalizando um perfil feminino de submissão, de conformidade com a subalternidade, de enclausuramento no espaço doméstico e, sobretudo, de restrição do acesso a direitos de cidadania. Não por outra razão, as mulheres brasileiras somente tiveram acesso ao direito eleitoral de escolha democrática de seus representantes no ano de 1932.
É importante reconhecer que a pobreza e a desigualdade no Brasil foram construídas historicamente e são marcas da maneira como a sociedade se organizou, baseada na exploração de grande parcela da população para sustentar os privilégios de uma pequena minoria. A pobreza e a desigualdade que ainda hoje existem no país têm rosto, cor, gênero e etnia.
Considerando que, para os objetivos desse trabalho, não cabe um exaustivo levantamento histórico sobre os momentos que precederam a compreensão atual dos direitos humanos, apenas situaremos a importância de levar em conta os mais de 3.700 anos que nos separam do conjunto de normas que é considerado o primeiro código escrito da humanidade, o Código de Hamurábi. Produto da civilização babilônica, é o código jurídico mais remoto descoberto até o momento – em torno do ano 1.760 a.C. –, tendo estendido a lei a todos os súditos, com disposições casuísticas cvis, penais e administrativas. Na tentativa de observar a garantia de direitos, foi instituída a chamada Pena de Talião, expressa na máxima “olho por olho, dente por dente”. À luz de nossa compreensão atual sobre direitos humanos, não resta dúvida de que, pela dureza da pena aplicada, o código está longe de se constituir um instrumento de justiça. Contudo, o reconhecimento de sua importância está na estratégia de positivar o conjunto de normas que deveriam ser obedecidas a fim de garantir a melhor convivência social possível para o contexto da época.
Desde a Antiguidade Clássica, é possível ainda perceber momentos da História em que vai se conformando uma cultura de direitos, mas não se pode falar propriamente de Direitos Humanos. De toda maneira, é importante observar que fazia parte do espectro dessa fase o reconhecimento de limitações racionais-legais do poder. A onipotência do Estado, alicerçado na religião, não permitia sequer alguma compreensão de liberdade individual. Ao situar a lei como parte da religião, e ao apontar pequenas liberdades que alguns podiam exercer, como votar ou nomear magistrados, o historiador Coulange (1975) considera que o homem, nessa etapa, jamais deixou de ser escravo do Estado.
Contudo, é no contexto das lutas contra o regime que vigorou na Europa entre os séculos XVI e XVIII, conhecido como Antigo Regime, que podemos situar a cultura de direitos como constituinte dos movimentos sociais e políticos que arrancaram do Estado o seu reconhecimento. É relevante destacar que as leituras tradicionais, ao tratar das consequências trazidas por esse período para o desenvolvimento da cultura de direitos, costumam apontar essas conquistas como um reconhecimento por parte do Estado, como se elas partissem espontaneamente do Estado para os cidadãos. Preferimos, aqui, compreender que esse reconhecimento não se deu como outorga do Estado, mas como resultado de um longo e duro processo de luta política em que os movimentos sociais da época forçaram essa legitimação.
Nessa linha, podemos considerar que, desses movimentos, surgiram importantes marcos históricos que evidenciam a institucionalização de direitos. Em 1628, com a Petition of Rights, a qual impedia que impostos fossem exigidos sem a autorização do parlamento inglês, este apontava para um cenário republicano e democratizante contrário à monarquia. Em 1679, o mesmo parlamento promulgaria o Habeas Corpus Act, garantindo o livre deslocamento e cunhando uma forma de proteção que se aplicaria, posteriormente, a outras liberdades individuais. Em 1689, o Bill of Rights, ao consignar a separação de poderes na organização do Estado, estabeleceria uma forma de proteção dos direitos fundamentais. Nos mesmos moldes, a Declaração dos Direitos de Virgínia (1776), que se deu no processo de construção da independência das 13 colônias frente à metrópole inglesa, pode ser considerada a origem dos Estados democráticos modernos e o primeiro instrumento que reconhece a existência de direitos de todos os seres humanos, independente de diferenças de gênero, de raça, de credo, dentre outras. Esses instrumentos jurídicos funcionariam como um elemento de confronto com normas tidas como transcendentais, que fundamentavam a autoridade real, de maneira a pavimentar o caminho para a construção do Estado de direito.
Ainda que concordemos com a importância dos documentos citados anteriormente, é forçoso reconhecer que, ao menos simbolicamente, é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão , de 1789, que inaugura uma fase preliminar da construção da ideia contemporânea de direitos humanos. Talvez porque esse instrumento se reveste de significado em função de ter marcado a derrocada do Antigo Regime e por ser uma espécie de matriz das Constituições nacionais que se sucederam. Até então, o rei governava com poderes absolutos, controlando a economia, o sistema de justiça, a política e a vida religiosa. A classe subalterna era impedida de participação na vida política e aqueles que se rebelavam eram encarcerados na prisão política da monarquia, a Bastilha.
A situação social agravou-se ao ponto de o povo ir para as ruas exigir a queda da monarquia comandada por Luis XVI. O auge dessa rebelião foi a tomada e a queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789, marcando o início de um processo revolucionário de reestruturação da organização política francesa. Com certeza, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão adquiriu um peso simbólico por ser o coroamento jurídico da Revolução Francesa, que proclamou a legitimidade democrática, superando o poder absoluto do monarca e abrindo o seu exercício para a nação por meio de representantes. Desse período ecoa o tríduo de valores assentados nas bandeiras “liberdade, igualdade e fraternidade”.
Contudo, mesmo considerando a importância dessa declaração, ela não está isenta das limitações decorrentes do contexto em que foi concebida, elaborada e aprovada. O seu título vem carregado de dubiedades e ambivalências marcadas pelas expressões “homem” e “cidadão”. Os direitos do homem referem-se à condição de “ser humano”, teoricamente estendendo-se a todos os povos. O termo “cidadão”, por outro lado, aplica-se de maneira restrita aos franceses.
No entanto, as expressões “direitos do homem” e “direitos do cidadão”, ainda que se refiram aos direitos de todos os seres humanos, indistintamente, e de todos os franceses, em particular, na prática terminou sendo aplicada apenas ao gênero masculino. Uma prova inconteste dessa maneira enviesada de garantir direitos proclamados é a experiência vivida por Olympe de Gouges, artista francesa. Considerando que os direitos de cidadania proclamados aos homens pela Declaração não se estendiam às mulheres, ela ousou partir do princípio de que as mulheres, tendo o direito de montar o seu próprio palanque, deveriam desafiar a injusta conduta feminina e construir uma Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. Tal iniciativa, que se efetivou pela organização de algumas mulheres que a ela se associaram na perspectiva de materializar o sonho anunciado, acabou por custar o pescoço da líder feminista que, em 3 de novembro de 1793, foi guilhotinada na Praça da Revolução.
Passados 159 anos da promulgação desse importante documento pela Assembleia Francesa, o mundo seria impactado pelos horrores da Segunda Guerra Mundial, em particular, pela dizimação de judeus e outras minorias em campos de concentração nazistas, marcada pelo princípio de que apenas uma parcela da sociedade humana detinha dignidade, a da raça ariana. Nesse diapasão, judeus foram mortos por serem judeus, negros por serem negros, homossexuais por serem homossexuais. Estavam fincados os marcos de uma guerra de ódio, de preconceito e de discriminação que tanto envergonharia a humanidade.
Terminada a guerra, em 1945, os Estados Nacionais reúnem-se numa entidade internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU), inspirados pelo ideal da paz universal. Unidos em torno do objetivo de restabelecer a paz entre os povos, 192 países assinaram a Carta das Nações Unidas, no dia 24 de outubro. Como uma de suas mais importantes iniciativas, a recente entidade internacional constrói o instrumento que viria a ser o marco fundamental na compreensão contemporânea de direitos humanos. Por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), os Estados membros pactuam e declaram solenemente, no dia 10 de dezembro de 1948, a confiança na possibilidade de conquista da paz por meio de direitos fundamentais considerados universais.
Os representantes dos 56 países membros das Nações Unidas aprovaram a DUDH a partir do documento elaborado por uma comissão presidida por Eleanor Roosevelt, esposa do presidente dos Estados Unidos da América. A sua elaboração não foi conquistada sem confrontos ideológicos ou políticos. Como principal exemplo desses confrontos, pode ser lembrada a disputa entre os representantes dos países capitalistas e dos países comunistas em torno da natureza dos direitos que deveriam fazer parte da Declaração. Para os países capitalistas, a Declaração deveria contemplar apenas os direitos civis e políticos e, mais tarde, seria elaborada outra declaração sobre os direitos econômicos e sociais. Para os países comunistas, ela deveria incluir também os direitos econômicos, sociais e culturais. Em função dessa disputa, e da inclusão do direito de propriedade no artigo 17, os países do bloco soviético se abstiveram da votação final do documento, sendo a aprovação dele feita por 48 votos favoráveis, nenhum contrário e 8 abstenções, registradas pela então existente União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), Ucrânia, Rússia Branca, Polônia, Tchecoslováquia, Iugoslávia, União Sul-Africana e Arábia Saudita.
Apesar de esse instrumento internacional ter um peso importante para a história da humanidade, ele é um documento de extrema simplicidade, de facílima leitura e que cabe em poucas páginas. Um dos documentos mais traduzidos do Planeta, ele é composto de um pequeno preâmbulo e a afirmação de trinta direitos fundamentais e universais, aos quais todas as nações que o pactuarem devem se submeter.
Do ponto de vista estrutural, a DUDH é composta por um conjunto de normas gerais e por três grupos de direitos individuais (CULLETON; BRAGATO; FAJARDO, 2009). As normas gerais são noções fundamentais de caráter filosófico, como direitos inalienáveis ou a afirmação da dignidade inerente ao ser humano, sugerindo garantias de direitos de liberdades individuais. De acordo com esses autores, o primeiro grupo situa a proteção da liberdade individual contra excessos do Estado (direito à vida, à liberdade, à segurança, à igualdade perante à lei); o segundo grupo trata dos direitos políticos como o de participação no governo da sociedade por meio de eleições livres e voto direto e secreto; e o terceiro grupo é composto pelos direitos econômicos e sociais, afirmados em tom moderado, repetindo o que já vinha sendo consignado nas Constituições então já existentes, abordando direito ao trabalho, à livre escolha do emprego, ao salário justo.
A Declaração contém direitos afirmados, mas também a proibição de ações consideradas violações dos direitos humanos como, por exemplo, o emprego da tortura e de castigos cruéis e degradantes. Isso, no entanto, não significa que a declaração firme normas de direito internacional público positivo. Ainda que ela possa servir como fonte de inspiração para a elaboração de leis e convenções, tanto no plano nacional quanto internacional, a declaração não estabelece, nem mesmo no âmbito das Nações Unidas, normas que, caso descumpridas, impliquem em algum tipo de sanção a seu infrator (CULLETON; BRAGATO; FAJARDO, 2009).
Como vimos, foi longo o percurso da humanidade até conquistar uma nova etapa na afirmação dos direitos humanos. O pacto promovido por Estados Nacionais, no entanto, não significa uma garantia de que esses postulados sejam plenamente assegurados. Contudo, é importante reconhecer a existência como um referencial que pode ser invocado para que a luta pela sua efetivação seja materializada em garantias reais.
Dessas afirmações de direitos decorre a capacidade de cada indivíduo sentir como se fosse em si próprio a violência, o preconceito, a discriminação que se abata contra qualquer ser humano em qualquer parte do mundo.
Interessante observar que a primeira afirmação dos direitos fundamentais reporta-se à tríade de valores da Revolução Francesa, como a recordar a importância que teve esse evento histórico na construção material e conceitual dos direitos humanos. Para a DUDH, os seres humanos nascem em liberdade e em igualdade, e a garantia de uma convivência pacífica se dá pela compreensão de que todas e todos, sendo filhas e filhos da mesma família humana, devem conviver em fraternidade.
Thomas Hobbes

“O homem é o lobo do homem”. A expressão clássica é geralmente atribuída a Thomas Hobbes, embora na realidade tenha sido formulada pelo dramaturgo romano Plauto, mais de um milênio antes do nascimento do pensador político inglês. Hobbes realmente viria a se apropriar da sentença cujo conteúdo se aproxima muito da maneira com que concebeu o Estado de Natureza em sua obra mais conhecida, Leviatã. No Estado de Natureza, por não haver regras nem punições, todos seriam absolutamente livres para fazerem aquilo que tivessem vontade. Isso, porém, resultaria numa circunstância em que as vontades entrariam em conflito inevitavelmente. Uma situação de completa liberdade seria um estado de todos contra todos em que imperaria a lei do mais forte.

Imagem: Retrato de Thomas Hobbes, por John Michael Wright, feito no século XVII.
John Locke

Apesar de livres, as ações dos homens e das mulheres no Estado de Natureza estão sujeitas às leis naturais, o que os(as) obriga ao uso da razão, de acordo com John Locke. A liberdade, portanto, não implica uma briga de todos contra todos, como concebia Hobbes, mas sim a constatação de que estabelecer um vínculo de reciprocidade com o outro pode ser mais interessante do que o conflito. Esse é o argumento de Locke para defender a democracia: o Estado não precisa ser o oposto das liberdades individuais, mas pode ser o próprio produto das diferenças de pensamento e de ação que resultam da liberdade de agir e de pensar.

Imagem: Retrato de John Locke, por Sir Godfrey Kneller em 1697.
Jean-Jacques Rousseau

Rousseau é frequentemente associado à ideia do “bom selvagem”, ou seja, um sujeito sem a malícia e as grandes ambições típicas dos homens “corrompidos” pela vida em sociedade e pela propriedade privada. Ainda que a relação seja contestada por alguns autores, a alusão é indicativa de sua compreensão do Estado de Natureza, de acordo com a qual homens e mulheres não entrariam em conflito uns com os outros em razão de a cobiça e a competitividade serem típicas do homem civilizado. “O primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer ‘Isto é meu!’ e encontrou pessoas bastante simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil” (ROUSSEAU, 2001, p. 91).

Imagem: Retrato de Jean-Jacques Rousseau, por Maurice Quentin de La Tour, feito no século XVIII.
Estado de Natureza

O termo Estado de Natureza se refere a um momento hipotético da história da humanidade no qual homens e mulheres se encontravam em completa liberdade, quer dizer, a um momento pré-social, anterior aos códigos de conduta orais e escritos que fazem a mediação em nossa relação com outras pessoas. Ainda que a situação fosse, à primeira vista, a mesma, diferentes autores da tradição européia conceberam, cada um à sua maneira, diferentes realidades para esse Estado de Natureza. As formulações mais conhecidas nos foram legadas pela tradição contratualista, representada pelos filósofos John Locke, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau.

Imagem: Capa da edição original do Leviatã. Gravura de Abraham Bosse, feita em 1651.
Registro do número de cativos enviados da capitania de Benguela para o Brasil entre 1761 e 1796.

“Sabe-se que o Brasil recebeu cerca de 45% de todos os africanos trazidos como escravos para as Américas – mais do que qualquer outra nação – e que navios portugueses (e brasileiros) conduziram 47% de todos os africanos escravizados que cruzaram o Atlântico (37% deles foram transportados pelo Atlântico em embarcações que saíram do Brasil – 5% de Pernambuco, 15% da Bahia e 17% do Sudeste brasileiro, particularmente do Rio de Janeiro).” (PRICE, 2014, p. 1)

Imagem: Mapa dos escravos exportados da Capitania de Benguela para o Brasil..., [1797?].
Abolição da Escravidão no Brasil

“A ideia de governar o Brasil não empolgava D. Isabel, que considerou suas três regências mais como um favor ao pai do que como uma preparação para seu futuro reinado. Durante a primeira regência (1871-1872), o visconde do Rio Branco tomou as rédeas. A segunda regência (1876-1877) foi um enorme fardo, especialmente por causa do ressurgimento da Questão Religiosa e dos horrores causados pela Grande Seca no Nordeste. Foi somente durante sua terceira regência (1887-1888), já causada pela enfermidade de seu pai, que D. Isabel assumiu de fato a liderança política esperada de um chefe de Estado. A causa da abolição foi abraçada principalmente porque a escravidão lhe parecia contrária às doutrinas da Igreja Católica. Em março de 1888, ao forçar a renúncia do barão de Cotegipe, presidente do Conselho dos Ministros, e substituí-lo por João Alfredo, a princesa abriu caminho para a Lei Áurea. A vitória da abolição marcou o fim do seu interesse e do seu envolvimento em questões do Estado. Satisfeita, pôde finalmente retornar à vida privada. O golpe de 15 de novembro de 1889 exilou a princesa de sua terra natal, mas também a liberou de ter que exercer uma função para a qual tinha pouquíssima aptidão.” (BARMAN, 2012, p. 3)

Imagem: Declaração da extinção da escravidão no Brasil, assinada pela Princesa Isabel, [1888?].
"À medida que aumenta o rendimento domiciliar per capita, cai a participação dos negros na população. O contingente não negro equivalia [em 2001], aproximadamente, à metade da população negra na classe com rendimento até 0,5 salário mínimo; na classe com rendimento acima de 9 salários mínimos, o contingente não negro atingia nove vezes a população negra [...]. Embora não se devam medir esforços para a erradicação da injustiça social no país, a questão racial constitui um capítulo à parte. Os negros estão sim sobre-representados nas camadas pobres, de baixa escolaridade, no trabalho infantil, no trabalho informal, nos empregos domésticos, de lavadeira/passador, lixeiro, varredor etc.; por outro lado, estão excluídos ou sub-representados entre advogados, juízes, médicos, dentistas, engenheiros, professores universitários etc.” (KILSZTAJN et al., 2005, p. 373-374)

Imagem: Morador de rua no centro de São Paulo. Fotografia de Leo Eloy (2009).
Voto Feminino no Brasil

“Para muitos, inclusive mulheres, as recentes [do início do século XX] conquistas femininas na política, no direito, no trabalho, representavam uma ameaça. Mais que uma possível e indesejada concorrência com o elemento masculino nos domínios agora compartilhados, temiam que as novas ocupações as fizessem desinteressar-se pelos assuntos domésticos. Temiam a desestruturação da família, célula mater da sociedade, a desintegração do lar, a desmoralização dos costumes, o abandono dos princípios éticos e religiosos católicos. As próprias mulheres, porém, ao menos aquelas que participaram da enquete de 1933, as mais e as menos empolgadas com a luta e as conquistas da mulher, com o seu direito ao voto e participação na política, afirmavam que as mudanças não significavam uma ruptura brusca e completa com o passado, com a forma de organização da vida social e com os valores tradicionais que nortearam suas existências até então. Não viam incompatibilidade entre ter uma casa, marido e filhos e exercer a cidadania política, materializada pelo exercício do voto livre, ou atuar profissionalmente fora do lar.” (ARAÚJO, 2003, p. 141)

Imagem: “O voto feminino no estado do Rio”, reportagem do jornal O Paiz (1928).
Pobreza e desigualdade no Brasil

Exemplo de vítimas da pobreza e da desigualdade são as pessoas em situação de rua. Em uma pesquisa feita pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (BRASIL, 2008), algumas características dessa população foram levantadas: 82% são do sexo masculino; 53% têm entre 25 e 44 anos; 67% têm a pele negra; a maioria (52,6%) recebe entre R$ 20,00 e R$ 80,00 semanais; é composta, em grande parte, por trabalhadores (70,9% exercem alguma atividade remunerada); apenas 15,7% pedem dinheiro como principal meio para a sobrevivência; parte considerável é originária do município onde se encontra, ou locais próximos; 69,6% costumam dormir na rua e, desses, cerca de 30% dormem na rua há mais de 5 anos; 22,1% costumam dormir em albergues ou outras instituições; 95,5% não participam de qualquer movimento social ou associativismo; 24,8% não têm qualquer documento de identificação; 61,6% não exercem o direito de cidadania elementar, que é o voto; 88,5% afirmam não receber qualquer benefício dos órgãos governamentais.

Imagem: Fotografia de William Droops (2011) retrata detalhe de pessoa em situação de rua.
Código de Hamurábi

“Sob o ponto de vista ético e social e pela segurança de sua datação, o Código de Hamurabi pode ser considerado um documento universal, que apresenta codificação clara e breve do direito privado numa época histórica remotíssima. Voltado à orientação do povo do Império Sumerino fixava os costumes e as tradições jurídicas já seculares no país. Essas leis, que regulavam a vida civil, a ordem penal e as normas administrativas, discriminando procedimentos e penalidades, estão dispostas no monólito em 46 colunas, ordenadas em 3.600 linhas.” (NEVES, 2008, p. 111)

Imagem: Estátua do Código de Hamurábi, exposta no Museu do Louvre, Paris. Fotografia de Rlunaro (2009).
Direito Romano

“O caráter supranacional do Direito Romano já era percebido pelos romanos, que distinguiam seu próprio direito daquele comum a todos povos. Na obra filosófica de Cícero, podemos extrair a ideia de que um único Direito mantém a sociedade humana unida. A hominum societas [sociedade humana] deve ser entendida como a comunidade humana universal, à medida que Cícero ressalta a necessidade de respeito não apenas aos cidadãos, mas também aos estrangeiros, sob pena de ser destruída a sociedade comum do gênero humano. Também podemos antever a existência da noção de interesse comum a todos homens. Pois bem, o ius gentium [direito das gentes], fundado naquilo que de universal e humano apresentam a vida social e as suas exigências, é um vasto sistema jurídico aplicável ad omnes gentes [a todas as gentes] naquelas relações em que a consciência social não apenas permanece indiferente, mas reclama disciplina unitária. A tendência ao universalismo é constante. O universalismo deve ser encontrado no próprio caráter universal do pensamento jurídico romano, visto que baseado na natureza, entendida essa como realidade humana. Não sendo imutável em uma fórmula definitiva, permitia uma contínua adequação do Direito, alterando de acordo com a realidade.” (BÖTTCHER, 2013, p. 163)

Imagem: Ruínas do Fórum Romano. Fotografia de Stefan Bauer (2005).
Bill of Rigths

Em 1688, após a chamada Revolução Gloriosa, que derrubou o rei James II da Inglaterra, o parlamento inglês exigiu que os novos soberanos William e Mary assinassem a Bill of Rigths em 1689. A Bill of Rigths declarava, dentre outras coisas, impossibilidade de o soberano interferir nas leis ou agir como um juiz e a proibição de novos postos serem instituídos sem passar pelo parlamento. “Embora se referisse aos ‘antigos direitos e liberdades’ estabelecidos pela lei inglesa e derivados da história inglesa, a Bill of Rights inglesa de 1689 não declarava a igualdade, a universalidade ou o caráter natural dos direitos”. (HUNT, 2009, p. 19)

Imagem: Declaração de direitos inglesa de 1689.
Revolução Francesa

“A Revolução Francesa não deve ser considerada apenas como uma revolução burguesa. Embora esta tenha sido a ideologia e a sua forma dominante, ela foi o produto da confluência de quatro movimentos distintos: uma revolução aristocrática (1787-1789), uma revolução burguesa (1789-1799), uma revolução camponesa (1789-1793) e uma revolução do proletariado urbano (1792-1794). Também não se deve supor que a revolução tenha começado em 1789, pois neste ano começa a tomada do poder pela burguesia e não o início do processo revolucionário. Este começou dois anos antes, em 1787, com a revolta da aristocracia contra a monarquia absolutista. Foi este fato que criou as condições e a oportunidade para a burguesia tomar o poder. Por outro lado, sem a revolta dos camponeses, o regime feudal não teria sido destruído por completo e sem a contra-revolução da aristocracia que culminou com o apelo à intervenção estrangeira não teria se desenvolvido a revolução do proletariado urbano. E, finalmente, sem este último, a burguesia não teria resistido à invasão estrangeira e, portanto, permitido que a revolução chegasse a seu termo lógico e historicamente possível.” (FLORENZANO, 1981, p. 15-16)

Imagem: A liberdade guiando o povo. Pintura de Eugène Delacroix, de 1830.

A Bastilha, fortaleza (até o século XVII) e prisão (até sua destruição), foi invadida em 14 de julho de 1789 durante o processo da Revolução Francesa. A tomada da Bastilha teve um forte significado simbólico, uma vez que era um dos símbolos do poder do absolutismo francês.

Imagem: A tomada da Bastilha, pintura de Jean-Pierre Hoüel (1789).
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão

“O documento tão freneticamente ajambrado era espantoso na sua impetuosidade e simplicidade. Sem mencionar nem uma única vez rei, nobreza ou igreja, declarava que 'os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem 'são a fundação de todo e qualquer governo. Atribuía a soberania à nação, e não ao rei, e declarava que todos são iguais perante a lei, abrindo posições para o talento e o mérito e eliminando implicitamente todo o privilégio baseado no nascimento. Mais extraordinária que qualquer garantia particular, entretanto, era a universalidade das afirmações feitas. As referências a ‘homens’, ‘homem’, ‘todo homem’, ‘todos os homens’, ‘todos os cidadãos’, ‘cada cidadão’, ‘sociedade’ e ‘toda sociedade’ eclipsavam a única referência ao povo francês.” (HUNT, 2009, p. 14) “Por quase dois séculos, apesar da controvérsia provocada pela Revolução Francesa, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão encarnou a promessa de direitos humanos universais. Em 1948, quando as Nações Unidas adotaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o artigo Iº dizia: ‘Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos’. [...] Embora as modificações na linguagem fossem significativas, o eco entre os dois documentos é inequívoco.” (HUNT, 2009, p. 15)

Imagem: Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de Jean-Jacques-François Le Barbier (1789).
Olympe de Gouges

“Marie Gouze, escritora com o pseudónimo de Olympe de Gouges, é uma humanista que luta pela igualdade dos seres humanos e a defesa dos oprimidos. O seu feminismo assume-se como uma das suas lutas pela libertação. Começa assim a construir a sua identidade, abandonando o nome do seu defunto marido e construindo o seu nome literário, recorrendo ao da sua mãe e a um patrónimo. Decide-se por exprimir as suas reivindicações sob a forma declarativa, tal como os Pais Fundadores americanos e os Revolucionários franceses, a fim de torná-las efectivas, visto os seus numerosos panfletos não terem produzido, até lá, os efeitos desejados. A Declaração de 1791 não é uma simples imitação da Declaração de 1789, onde a palavra Homem é apagada e substituída por Mulher. Olympe de Gouges inscreve a mulher até então esquecida, demonstrando, dessa forma, que a nação é efectivamente bissexuada e que a diferença sexual não pode ser um postulado em política, nem na prática da cidadania.” (ESCALLIER, 2012, p. 226)

Imagem: Retrato de Olympe de Gouges, feito por Alexander Kucharski no século XVIII.
Trecho da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789)

"PREÂMBULO Os representantes do povo francês, reunidos em Assembléia Nacional, tendo em vista que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos Governos, resolveram declarar solenemente os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, sempre presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre permanentemente seus direitos e seus deveres; a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser a qualquer momento comparados com a finalidade de toda a instituição política, sejam por isso mais respeitados; a fim de que as reivindicações dos cidadãos, doravante fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à felicidade geral. Em razão disto, a Assembléia Nacional reconhece e declara, na presença e sob a égide do Ser Supremo, os seguintes direitos do homem e do cidadão: Art.1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum. Art. 2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão.”
Trecho da Declaração dos Diretos da Mulher e da Cidadã (1791)

"PREÂMBULO Mães, filhas, irmãs, mulheres representantes da nação reivindicam constituir-se em uma assembléia nacional. Considerando que a ignorância, o menosprezo e a ofensa aos direitos da mulher são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção no governo, resolvem expor em uma declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados da mulher. Assim, que esta declaração possa lembrar sempre, a todos os membros do corpo social seus direitos e seus deveres; que, para gozar de confiança, ao ser comparado com o fim de toda e qualquer instituição política, os atos de poder de homens e de mulheres devem ser inteiramente respeitados; e, que, para serem fundamentadas, doravante, em princípios simples e incontestáveis, as reivindicações das cidadãs devem sempre respeitar a constituição, os bons costumes e o bem estar geral. Em conseqüência, o sexo que é superior em beleza, como em coragem, em meio aos sofrimentos maternais, reconhece e declara, em presença, e sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos da mulher e da cidadã: Art. 1º. A mulher nasce livre e tem os mesmos direitos do homem. As distinções sociais só podem ser baseadas no interesse comum. Art. 2º. O objeto de toda associação política é a conservação dos direitos imprescritíveis da mulher e do homem Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e, sobretudo, a resistência à opressão.”
Imagem: Soldados estadunidenses na cidade alemã de Waldenburg em 16 de abril de 1945. Foto tirada pelo Segundo Tenente Jacob Harris em 1945.
Horrores da 2ª guerra

Guernica, quadro de Pablo Picasso de 1937, busca representar os horrores do bombardeio sofrido pela cidade espanhola de mesmo nome. Esse horror foi apenas o anúncio de dias piores na guerra que se seguiria. “A Segunda Guerra Mundial foi uma guerra total no sentido lato da palavra. A política nazista de destruição dos judeus (a ‘solução final’) contava com sofisticada organização de busca, seleção, transporte, concentração e assassinato nos campos de extermínio (o chamado Holocausto), para onde também foram enviados ciganos, oposicionistas e até prisioneiros de guerra. Já em 1945, os americanos jogaram bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, ameaçando o mundo com nova tecnologia de morte em massa. Essa foi a guerra total no último conflito mundial. Daí a mobilização de recursos simplesmente fabulosos. [...] A Segunda Guerra Mundial teve como característica determinante o fato de que os países em conflitos visavam pretensões ilimitadas. Em outras palavras, tinham como objetivo a submissão absoluta do adversário. Se na Primeira Guerra Mundial o objetivo das nações em combate era a derrota do inimigo no campo de batalha e a imposição de condições de paz, isso não era exatamente válido para a Segunda Guerra Mundial. A Alemanha de Hitler, por exemplo, pretendia dominar a Europa e transformar os países do Ocidente em estados vassalos. O plano nazista para o lado oriental era reduzir a União Soviética à condição de colônia e transformar sua população em serviçais dos ‘senhores’ germânicos. Do lado dos Aliados, isto é, da Grã-Bretanha, Estados Unidos e União Soviética, os objetivos não eram limitados: só a rendição incondicional é que valeria. Não se aceitaria uma paz negociada, não haveria condições. O inimigo seria combatido até a última bala.” (TOTA, 2006, p. 356-357)

Imagem: Guernica, pintura de Pablo Picasso (1937).
Imagem: Mulher alemã aterrorizada ao ver cerca de 800 corpos exumados de prisioneiros mortos pela SS próximos à cidade de Nammering na Alemanha em 17 de maio de 1945. Fotografia de Edward Belfer (1945).
Imagem: Prisioneiros do campo de concentração Buchenwald na Alemanha . Fotografia de Private H. Miller (1945).
Imagem: Mulher com a pele queimada com padrões correspondentes ao tecido do seu quimono após ter sido vítima da explosão da bomba atômica em Hiroshima no dia 6 de agosto de 1945.
Imagem: Cidade de Nagasaki após a explosão da bomba atômica em 9 de agosto de 1945.
Adolf Eichmann

Frequentemente abordado em filmes, romances e livros teóricos, o Holocausto Nazista, que alguns estimam ter dizimado a vida de 17 milhões de pessoas (das quais 6 milhões eram judias), é um dos casos de violação de direitos humanos mais conhecidos hoje. Com o final da Segunda Guerra Mundial, diversos responsáveis nazistas pelo extermínio nos campos de concentração foram julgados e condenados. Um caso que ficou particularmente famoso foi o do tenente-coronel Adolf Eichmann, analisado por Hannah Arendt, filósofa judia alemã, em seu livro Eichmann em Jerusalém (2008). Arendt acompanhou o julgamento como uma repórter a serviço do jornal The New Yorker. Porém, aquilo que mais viria a chamar a atenção da filósofa não foram as descrições dos procedimentos e das crueldades, mas o fato de Eichmann, responsável pela logística de envio diário de trens contendo milhares de judeus da Hungria para Auschwitz, não demonstrar qualquer remorso pelo que havia feito. Seria ele um monstro inescrupuloso, capaz de condenar milhões de inocentes à morte sem se sentir culpado por isso? Segundo Arendt, não. O que eximia Eichmann de qualquer culpa era o fato de estar cumprindo com sua obrigação: não era ele quem estava decidindo matar, mas seus superiores. Como “bom subordinado”, Eichmann, como muitos outros que possibilitaram o extermínio em massa, sentiria-se culpado caso descumprisse as ordens que lhe foram confiadas ou caso não estivesse em condições de levá-las a cabo. É nesse sentido que Hannah Arendt afirma que o que tornou o holocausto possível não foi a crueldade de uma nação, mas a eficiência de um aparato burocrático e militar cuja divisão de trabalho permitia que cada engrenagem dessa gigantesca máquina fizesse a sua parte na matança sem se sentir responsável pelo que fazia.

Imagem da esquerda: Adolf Eichmann em 1942. Imagem da direita: Adolf Eichmann caminhando no pátio de sua cela na prisão de Ayalon, Ramla (1961).
Declaração Universal dos Direitos Humanos

“A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada pela Resolução 217-A, na 3.ª Sessão Ordinária da Assembléia Geral das Nações Unidas, em Paris, em 10 de dezembro de 1948. Logo, é supérfluo dizer que ela carece de índole convencional, razão por que não vincula juridicamente os signatários. Não há como nominar o autor da DUDH. Por certo é obra coletiva que recolhe as idéias dominantes e as tradições ocidentais. Contudo, é preciso registrar que determinadas personagens tiveram participação decisiva, dentre elas, John Humphrey (Canadá) Diretor da Divisão de Direitos Humanos, responsável pela redação do primeiro rascunho da Declaração; René Cassin (França) sob cuja responsabilidade ficou a versão final do texto aprovado; Eleanor Roosevelt (EUA) que presidiu o Comitê que redigiu a Declaração. A Declaração aprovou-se nos moldes das declarações de direitos dos Estados (plano interno), mas é realmente a primeira declaração universal de direitos humanos. A sua autoridade, como é notório, não advém de norma superior ao ordenamento do Estado nem mesmo do voluntarismo estatal. O seu fundamento de autoridade é moral e advém da própria dignidade da pessoa humana, a qual é comum a todos os seres em qualquer parte do mundo.“ (SORTO, 2008, p. 21)

Imagem: Eleanor Roosevelt em 1947.
“O delegado brasileiro Berlamino Austregesilo de Athayde disse que é de suma importância que os direitos humanos sejam protegidos por todos os povos, por um metodo de justiça e segurança internacionais. ‘Confiamos em que o projeto de declaração será o arauto de uma nova era de liberdade e justiça’”. (JORNAL DO BRASIL, 1948, p. 7)

Imagem: "A Assembléia das Nações Unidas aprovou a Declaração dos Direitos Humanos.”, reportagem do Jornal do Brasil, 1948.