3. A escola como espaço de práticas culturais emancipatórias

A Educação Integral e as escolas conectadas com o território

Na educação brasileira, sempre houve uma separação entre processos educativos escolares e não escolares, considerando-se formal a educação escolar, e não formal aquela adquirida em outros espaços, como ONGs, projetos sociais, clubes e academias.

Como já colocamos anteriormente, as experiências de educação popular desenvolvidas pelos movimentos sociais se localizaram fora do espaço escolar e, muitas vezes, com o total desconhecimento de suas ações educativas. Hoje, a discussão trazida pela Educação Integral aponta novos elementos para esse debate, rompendo com alguns “muros”, que até então separavam a aprendizagem escolar da aprendizagem da vida. 

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O termo Educação Integral não é novo e já era utilizado, no início do século XX, por Anísio Teixeira, em sua proposta de Escola Parque. Mais recentemente, na década de 1980, também foi usado na experiência dos Centros Integrados de Educação Pública15 (CIEPs), pensados por Darcy Ribeiro, quando vice-governador do Rio de Janeiro, no governo de Leonel Brizola.

Atualmente, a temática da Educação Integral ganha espaço no debate sobre políticas públicas educacionais, principalmente a partir do Programa Mais Educação, instituído pelo Decreto nº 7.083/2010. Esse programa tem como objetivo “contribuir para a melhoria da aprendizagem por meio da ampliação do tempo de permanência de crianças, adolescentes e jovens matriculados em escola pública, mediante oferta de educação básica em tempo integral”, de acordo com o artigo 1º (BRASIL, 2010).

O mesmo decreto define educação básica em tempo integral como a “jornada escolar com duração igual ou superior a sete horas diárias, durante todo o período letivo, compreendendo o tempo total em que o aluno permanece na escola ou em atividades escolares em outros espaços educacionais” (BRASIL, 2010, art. 1º, §1º). Para atingir seus objetivos, o Mais Educação propõe um trabalho de parceria entre a escola e a sociedade civil, além de uma proposta de inserção no território, previstas nos artigos 1º e 2º do Decreto.

A intersetorialidade no Programa Mais Educação é tida como estratégia coletiva de superação das formas de exclusão, através de ações integradas das políticas de saúde, educação, cultura, esporte, meio ambiente, direitos humanos. Em consonância com essa concepção, o Ministério da Educação, em diálogo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, estabeleceu, em 2011, parceria para ampliar o acesso dos beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF) ao Programa Mais Educação. Passou-se a priorizar, desse modo, o acesso à educação integral pela população historicamente excluída dos direitos sociais básicos. É o reconhecimento de que só uma abordagem integral é capaz de responder efetivamente aos desafios da educação.

Mas, ainda que presente nas políticas públicas de educação de muitos estados e municípios brasileiros, a temática da Educação Integral é complexa, com muitas interpretações, e distintas concepções e práticas. Como discutimos anteriormente, há concepções de educação diretamente relacionadas a projetos sociais e políticos em disputa na sociedade, e a Educação Integral se encontra no meio desses antagonismos. Assim, embora haja um consenso da importância da Educação Integral nas políticas públicas brasileiras, isso não significa que as concepções e práticas sejam consonantes. Existem experiências de Educação Integral que se centram apenas na ampliação do tempo, sem repensar as práticas educacionais. Essa opção se mostra ineficaz na transformação da cultura escolar, já que:

[...] se limitarmo-nos a oferecer mais tempo da mesma escola, ou mais um turno – turno extra –, ou mais educação do mesmo tipo de educação seria uma dose a mais para garantir a visão tradicional do direito à escolarização e uma forma de perder o significado político da educação em tempo integral. (ARROYO, 2012a, p. 33)

Outras experiências, entretanto, conseguem extravasar os limites da escola, buscando um diálogo com o bairro, com a cidade. Dessa forma, reconhecem no espaço o aspecto construtor de identidades e a dimensão socializadora de expressões de culturas, saberes e encontros. Nessa perspectiva, a Educação Integral

[...] traz outra possibilidade: a de voltarmos a ocupar nossas cidades, com nossas crianças nas praças, nossos jovens nos parques, com nossos bairros voltando a ter a dimensão comunitária que os constituiu. A circulação de crianças e adolescentes pelas ruas do bairro, pelas praças, parques, museus faz com que também os adultos comecem a olhar para estes espaços de outra forma, procurando preservá-los, melhorá-los, para acolher esses novos transeuntes. (LEITE, 2013, p. 139)

Ao se abrir para o território, a escola se torna receptiva também para os saberes que se descortinam no cotidiano do bairro e da cidade. A presença desses saberes, até então deslegitimados pela escola, traz para dentro dela novos(as) educadores(as) – agentes culturais, oficineiros(as), monitores(as) – muitos(as) deles(as), jovens integrantes de movimentos culturais em suas comunidades (dança, teatro, música, esporte, artes plásticas etc.). Esses(as) novos(as) educadores(as) mobilizam saberes que não foram adquiridos na escola ou nas universidades, mas construídos em coletivos de juventudes, nos encontros das associações, nos movimentos culturais e esportivos presentes nos territórios. As oficinas começam a se tornar espaços de práticas culturais até então ausentes no espaço escolar, mostrando que é possível aprender com prazer e alegria.

Educação, escola e comunidade

O documentário O Direito de Aprender explora a questão da necessidade de a educação se estabelecer por meio da relação constante entre a escola e a comunidade. O vídeo foi produzido com base no livro Bairro-Escola passo a passo, realizado pela Associação Escola Aprendiz, e traz depoimentos de educadores(as) de algumas escolas que fazem parte da Associação e têm como base de seu trabalho a Educação Integral e Comunitária. 

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Nessa perspectiva, as experiências de Educação Integral buscam romper com o distanciamento entre a escola e a cidade, propondo que a escola deixe de ser um mundo à parte e comece a dialogar com seu entorno, a conhecer o território onde está inserida e os saberes ali produzidos. É o que explicita o documento lançado pelo MEC em 2009, Educação Integral: texto de referência para o debate nacional:

A sociedade, ao se apropriar e fazer uso de um território, compartilha o domínio das condições de produção e reprodução da vida. O território significa a constituição necessária de laços que se definem no plano material da existência, como também nos investimentos simbólicos, éticos, morais e estéticos que revelam o sentido próprio da sociedade. Pertencemos a um território, o guardamos, o habitamos e nos impregnamos dele ao realizar o nosso modo de existir. (BRASIL, 2009, p. 46)

Porém, isso não pode significar uma visão romântica do território, da cidade, acreditando que sair da escola, por si só, vai garantir um processo educativo. A cidade é território em disputa, espaço permeado por conflitos e relações de poder, território fragmentado, dominado muitas vezes pelo consumismo e individualismo. Assumir a cidade como território educativo significa também desnaturalizá-la, problematizá-la, compreendê-la como campo de tensões e de possibilidades.

Assim, as experiências de Educação Integral vão inaugurando uma nova relação que a escola e os territórios estabelecem com seus atores, mostrando que é possível romper com a dicotomia entre escola e vida, entre experiência social e aprendizagem, garantindo o direito a uma educação democrática, voltada para a cidadania.

Ampliação da jornada escolar

No programa Documentação exibido em 8 de julho de 2012, a TV NBR exibiu o documentário Mais educação: despertar em tempo integral, produzido pelo Ministério da Educação, com exemplos de algumas escolas públicas que obtiveram boas experiências com a ampliação da jornada escolar.

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Programa Documentação da TV NBR, exibido em 8 de julho de 2012, 
mostra o documentário Mais Educação: despertar em tempo integral (2011).