3. O direito de saber-se pobre

As pressões dos(as) pobres por reconhecimentos positivos

No processo de incorporação da história da produção social, econômica, política e cultural da pobreza nos currículos, é necessário incluir as tentativas de combate à pobreza que tantos programas e políticas públicas se propõem a efetuar. Como exemplo no Brasil, podemos citar as políticas de garantia de renda básica mínima, como o Programa Bolsa Família, e os programas Saúde da Família, Minha Casa Minha Vida, Pró-Creche, Primeira Infância Melhor etc.

Há pesquisas, análises e muito conhecimento acumulado sobre essa diversidade de programas e políticas destinados a combater a pobreza, não só no Brasil como também em outros países. Contudo, é necessário que essas políticas sejam examinadas com cuidado pelas áreas de conhecimento curriculares, a fim de garantir uma ampla visão sobre o tema e evitar reduzi-lo a um viés estritamente assistencialista. O fato de esses programas serem de Estado confere-lhes um significado político novo, isto é, não são setores compassivos da sociedade que organizam campanhas para minimizar a pobreza no Natal, mas é o Estado que assume seu dever político de garantir renda, alimentação, casa etc. para os grupos sociais que vivem na pobreza. Além disso, uma análise histórica detida implica observar que, ao longo do tempo, as representações dos(as) pobres depreendidas das políticas públicas foram mudando, de forma que esses indivíduos passaram a ser percebidos cada vez mais como cidadãos(ãs) e sujeitos de direitos e menos como beneficiários(as) de favores do governo.

Trazer essa diversidade de políticas públicas para os currículos de Educação Básica será uma forma de mostrar como se pode avançar para um reconhecimento político da pobreza e seus sujeitos, que exigem respostas igualmente políticas. Com essas análises, será possível garantir a todos(as) os(as) educandos(as), e aos(às) pobres de maneira particular, o direito a entenderem seu lugar nessa história complexa que é interpretar e tratar a pobreza. Além disso, pode-se demonstrar como houve, ao longo do tempo, uma evolução da representação do sujeito pobre que refletiu nas estratégias adotadas. No passado, predominavam medidas para “erradicar” a pobreza, fruto de uma visão naturalizada desse fenômeno, as quais foram sendo substituídas por medidas-programas compensatórias, advindas de uma visão assistencialista; só recentemente houve uma tendência a se criar políticas de Estado de combate à pobreza, consolidando, portanto,o estabelecimento de direitos e o dever desse Estado de garanti-los.

Nesse contexto de análise, uma questão nuclear precisa ser problematizada: os(as) pobres são apenas beneficiários(as) agradecidos(as) dessas políticas do Estado e dos organismos internacionais? Para que não fiquemos nessa rasa interpretação, será necessário incluir nos currículos a história de reações, de lutas, de movimentos sociais dos próprios coletivos pobres exigindo políticas públicas contra a pobreza.

Palavras de luta! Foto de Marcelo Valle (2008).

Pensar essas histórias como parte de uma única história garante a compreensão da pobreza como produção social, econômica, política e cultural, sempre acompanhada da existência de uma tensa história de resistências, pressões, ações e movimentos coletivos dos(as) próprios(as) pobres, pressionando os governos, o Estado, os organismos nacionais e internacionais por programas e, sobretudo, por políticas que revertam as estruturas produtoras da pobreza. Em vista disso, os currículos precisam incorporar essa visão de que os(as) pobres não são beneficiários(as) agradecidos(as), e sim sujeitos políticos e de políticas: a história das pressões por terra, teto, territórios, reforma agrária e urbana; a história das reivindicações por saúde das famílias pobres, centros de saúde nas vilas e favelas; a história dos movimentos de mães pobres e trabalhadoras por creches e escolas para seus filhos e filhas; a história dos programas de ações afirmativas, das cotas para afro-brasileiros, da inclusão dos indígenas, dos quilombolas etc.

Trabalhar essa história nas diversas áreas do conhecimento será uma forma de garantir a todos(as) os(as) educandos(as) conhecimentos que fazem parte da história universal, que fazem parte do conhecimento público. Ao avançar nessa direção, os conhecimentos curriculares cumprem a função pedagógica não só de informar verdades, mas de formar identidades positivas nos coletivos pobres submetidos a tantas representações sociais negativas e inferiorizantes.