4. Os currículos e as experiências de espaços precarizados

Corpos precarizados pela pobreza exigem respostas dos currículos

As vivências da pobreza se manifestam nos corpos precarizados de crianças e adolescentes, que chegam às escolas já condenados precocemente a vidas fragilizadas pela desnutrição e pela fome. Desses corpos vêm apelos para que sejam revistos amplamente currículos, conhecimentos, didáticas e tempos-espaços escolares.

Mas quais seriam esses apelos que emanam dos corpos de pobreza para os conhecimentos dos currículos? Frente a tal questionamento, é necessário saber, primeiramente, de quantos corpos estamos falando. Ou seja, a tentativa de aproximar currículo e pobreza exigirá de gestores(as), mestres e alunos(as) a consciência sobre a quantidade de crianças, adolescentes, jovens e adultos que chegam às escolas com vidas precárias e corpos vitimados pela pobreza. Assim, é importante o levantamento, a pesquisa e a análise sobre algumas das dimensões da pobreza que afetam mais diretamente os corpos: a desnutrição, a fome, as doenças; a exploração sexual e comercial que consome principalmente os corpos infantojuvenis; e o impacto sobre as diversas identidades, autoimagens e formas de socialização desses sujeitos.

Esses levantamentos poderão ser estendidos aos membros das famílias e das comunidades pobres. A partir disso, as diversas áreas do currículo devem mobilizar a reflexão sobre quais significados e quais conhecimentos devem ser incorporados aos currículos e que novo material didático poderá ajudar a entender e aprofundar os conhecimentos sobre as relações tão estreitas entre corpos e pobreza.

Desenhos feitos por crianças de 6 a 12 anos diante da pergunta: "O que é pobreza para você?"

 

Outra forma de relacionar corpos, pobreza e currículo pode ser pesquisar e debater de que forma crianças, adolescentes, jovens e adultos se veem em vidas precarizadas e corpos vitimados, e o que eles(as) pensam de si. Essas infâncias e adolescências, sobrevivendo desse modo, sem dúvida se perguntam: “Por que eu, minha família, minha raça, etnia e minha classe social somos tão agredidos pela pobreza?”5. Questões como essa são dirigidas às escolas por esses indivíduos, que esperam respostas a partir dos conhecimentos dos currículos. Porém, eles encontrarão significados e explicações nas lições de seus mestres e nos saberes dos currículos? A escola possibilitará uma ampliação das formas como eles se veem ou os deixarão mais confusos? Quantos saberes inúteis são obrigados a aprender, e quantos saberes vivos sobre seu indigno sobreviver lhes são negados? 

Os corpos, sobretudo precarizados, vêm sendo objeto de análises das diversas ciências; logo, é preciso trazer esses conhecimentos aos currículos para que sejam superadas autoimagens negativas de identidades corpóreas e haja um avanço no direito de se construir imagens corpóreas mais positivas. Os corpos precarizados provocam questionamentos à ética profissional, escolar e curricular, e estimulam outras pedagogias, outra ética gestora e docente. 

Nas tentativas de aproximar o currículo do conhecimento que vem dos corpos precarizados pela pobreza, torna-se urgente incorporar a diversidade de estudos sobre os corpos, sobre a centralidade que ocupam na organização das sociedades e das cidades; nas segregações sociais, raciais, de gênero; nos padrões de trabalho, de poder, de renda, de justiça, de valores e culturas; e até nas relações pedagógicas. Percebemos que os corpos estão sendo tirados do ocultamento em diversos campos do conhecimento, da cultura, dos valores e das teorias pedagógicas. Contudo, falta uma epistemologia e uma pedagogia dos corpos, sobretudo daqueles precarizados dos miseráveis.

Os corpos têm estado entre os ignorados pelo pensamento social e pedagógico. Isso se torna evidente quando corpos precarizados de milhões de crianças e adolescentes que chegam às escolas são desprezados e condenados porque esses sujeitos do aprendizado escolar continuam sendo cogitos incorpóreos6. Dessa forma, aproximar currículo, conhecimento e pobreza exigirá a superação dessas visões negativas e o avanço para uma epistemologia-teoria pedagógica e uma ética emancipadoras dos corpos que os desloquem da esfera privada – na qual têm relegados seus direitos como indivíduos – para a esfera pública de direitos concretizados.